domingo, 17 de abril de 2011

Rede Cegonha, que será lançada amanhã, funcionará primeiramente em nove cidades


Brasília – A presidenta Dilma Rousseff lançará amanhã (28), em Belo Horizonte, um programa para dar atendimento integral a gestantes e bebês. O objetivo do Rede Cegonha, que é uma promessa de campanha de Dilma, é combater práticas que acabam influenciando para as altas taxas de mortalidade materna e infantil.

Os problemas identificados pelo Ministério da Saúde e que influenciaram na elaboração do programa vão desde o elevado número de gravidez indesejada, dificuldade de muitas mulheres de terem acesso aos exames de pré-natal de qualidade, práticas inadequadas de parto, além da costumeira peregrinação de gestantes, geralmente da periferia das grandes cidades, em busca de uma maternidade.

Ao falar do programa, durante a campanha, Dilma procurou enfatizar mais a necessidade de uma gestão eficiente do Sistema Único de Saúde (SUS), que a construção de hospitais, aquisição de ambulâncias e outros recursos. O governo ainda não divulgou detalhes do programa, mas a ideia do governo com o Rede Cegonha segue esse princípio, ou seja, articular uma rede de atenção para todas as fases da maternidade.

A estratégia do governo é implantar primeiramente o atendimento integral do Rede Cegonha em nove cidades brasileiras: Manaus, Recife, Distrito Federal, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Curitiba, Porto Alegre e São Paulo. Dados preliminares de 2009 apontam para quase 300 mortes de mulheres nessas regiões metropolitanas ao ano, o que representa 13,38% do total de óbitos maternos ocorridos no país em 2009, que atingiu 1.724.

No país, 25% dos óbitos infantis ocorrem no primeiro dia de vida. Os dados de 2009 apontam que nessas cidades 4.619 óbitos neonatais por ano, o que representa 15,72% do total de óbitos neonatais ocorridos no país em 2009. Além disso, o Estudo Sentinela, realizado pelo Ministério da Saúde em 2004 estimou em 12 mil os casos de sífilis congênita por ano nessas regiões metropolitanas.

Os números apontam, não para falta de acesso ao pré-natal, mas para uma falta de qualidade no exame, problema que vem preocupando o governo. De acordo com dados do Ministério da Saúde, apenas 2% das gestantes moradoras dessas cidades não tiveram acesso ao pré-natal em 2009. Além disso, dados do governo apontam que em 2009, entre os nascidos vivos, 90% tiveram pelo menos quatro consultas de pré-natal, e cerca de 63% dos nascidos vivos tiveram sete ou mais consultas, padrão recomendado pela Organização Mundial de Saúde.

O Rede Cegonha foi inspirado no Cegonha Carioca, lançado pela Prefeitura do Rio de Janeiro no ano passado. O programa prevê a vinculação do pré-natal ao parto, com acompanhamento de cada fase da gestação. Para as mães assíduas aos exames de pré-natal, o programa oferece enxoval completo, ambulância na porta de casa e visita prévia para conhecer a maternidade onde será feito o parto.

De acordo com a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) finalizada em 2006, no Brasil, 46% das gestações não são planejadas. Essas gestações ocorrem em 98 mil adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos. Estima-se ainda que se realize no Brasil mais de um milhão de abortos por ano, a maior parte em condições inseguras.

O Brasil já é conhecido mundialmente pelo alto número de partos cesáreos. Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) aceita um percentual de 15% para as cesarianas, atualmente 40 % dos partos pelo SUS são cesáreos.

O governo está preocupado também com a humanização do parto. Uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo e pelo Sesc apontou que 4,27% das mulheres que deram a luz na rede pública relataram maus tratos ou alguma forma de violência na hora do parto.

Fonte: Correiro do Brasil

Entrevista do Ministro Padilha: ‘O SUS tem que ser um projeto centrado no usuário’


Adriano De Lavor e Bruno Dominguez* Médico infectologista com experiência na área de medicina tropical, Alexandre Padilha foi coordenador nacional de Saúde Indígena da Funasa, ministro chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, no governo Lula, atuante na coordenação política da gestão. Filiado ao Partido dos Trabalhadores, esteve na Secretaria de Assuntos Federativos (SAF) e integrou a coordenação das campanhas presidenciais de Lula e Dilma Rousseff. Em sua primeira visita oficial como ministro da Saúde à Fiocruz, Padilha concedeu entrevista coletiva aos veículos da instituição, na qual falou sobre a relação da saúde com o desenvolvimento do país, seguridade social, formação profissional e aproximação do Ministério da Saúde com os atores do controle social. Quinze dias após esta entrevista, Padilha foi eleito, em 16 de fevereiro, presidente do Conselho Nacional de Saúde.

Em seu discurso de posse, a presidenta Dilma citou como áreas prioritárias do governo Educação, Saúde e Segurança. O senhor acredita que agora a saúde vai estar no centro da agenda de desenvolvimento do país?

Tenho certeza absoluta da necessidade de a saúde estar no centro da agenda do país e do compromisso da presidenta com isso, mas acredito que essa não é uma obra só da Presidência, e sim do conjunto do país e de todas as pessoas do setor Saúde. Não é possível ser a quinta economia do mundo sem aproveitar ao máximo o potencial do setor econômico que mais investe em inovação e desenvolvimento tecnológico, que é a Saúde. Hoje em dia, 30% dos recursos de desenvolvimento, informação e pesquisa do país são dos vários segmentos da Saúde, seja o desenvolvimento de soros, medicamentos, vacinas, seja o desenvolvimento de novas tecnologias e equipamentos, inclusive de atenção à saúde. O investimento em inovação e tecnologia da saúde sempre foi setor de ponta em outros países. Não há país, entre as maiores economias do mundo, que não tenha uma política específica de desenvolvimento em relação ao campo da saúde.

Que outros desafios o país deve enfrentar?

O segundo grande desafio do Brasil, ao se tornar a quinta economia mundial, é aproveitar ao máximo o esforço de redução da pobreza e da miséria como a principal estratégia de desenvolvimento econômico. O Brasil aprendeu ao longo desses últimos oito anos que investir, se esforçar e reduzir a pobreza e a desigualdade regional propiciaram a construção de um mercado interno muito pujante, com força econômica e capacidade de inclusão, em seis, sete anos, de uma gente inteira na economia. Isso constrói o Brasil com uma característica diferente da de outros países, que atrai o mundo inteiro.

Qual o papel da saúde nesse cenário?

A saúde é, em relação ao conjunto de políticas, um dos fatores decisivos pra erradicação da miséria e da desigualdade regional. É importante para atrair investimento privado nos estados, para atrair profissionais liberais, profissionais de nível superior. Permanentemente, a saúde tem impactos diretos e indiretos na economia local. O impacto direto é o fato de a expansão da rede estar combinada com o crescimento de uma força de trabalho bem remunerada, que são os profissionais de saúde. Em várias cidades do país, o principal motor da economia local são os agentes comunitários de saúde, os enfermeiros, os auxiliares de enfermagem e os médicos. Há impacto em ampliar a rede pública de saúde: você faz com que as pessoas gastem menos para conquistar aquilo que é o direito fundamental, que é direito de todos. Sempre brinco com meus amigos que foram gestores municipais de cidades pequenas, lembrando que a cada equipe de Saúde da Família que ampliava a cobertura, pessoas paravam de vender sua produção rural. Antes, elas tinham que vendê-la para se deslocar ou pagar o médico. Esse é um impacto direto. E ainda tem o fato de a ampliação do serviço de saúde ser algo fundamental para promoção da cidadania. Não se reduz a miséria do país sem promover a cidadania.

Uma das prioridades do governo Dilma é corte de gastos. Qual a sua expectativa em relação à Saúde?

Tenho certeza de que a presidenta Dilma não vai fazer cortes em política social do governo. Pelo contrário, acho que ela tem como um desafio — que assumiu para si, com os ministros da área social, mas também os da área econômica e os responsáveis pela gestão do governo — que é fortalecer e expandir nossas políticas sociais. Isso tem a ver com recursos e com investimento. Acho que tem um sentimento de quem atua na área da saúde, de todos os partidos — em governos estaduais, municipais ou Governo Federal, nos espaços institucionais ou nos segmentos econômicos relacionados a saúde, movimentos sociais, associações de hospitais, as várias confederações de prestadores, trabalhadores e gestores —, de que a saúde precisa de mais recursos.

Como conquistar esses recursos?

Nossa capacidade de ganhar mais recursos para a saúde será a nossa capacidade de mostrar que queremos aplicar num certo modelo de atenção que garanta acesso, atendimento de qualidade, que priorize a inclusão, a prevenção, a atenção básica, e, por outro lado, a nossa capacidade de gestão dos recursos a mais que vêm. Então, para mim, não existe uma dicotomia entre o debate de melhorar a gestão e garantir mais recursos. Estou absolutamente convencido de que a única forma de conquistarmos recursos para consolidar o SUS é darmos sinais claros de que temos maior capacidade de gestão sobre esses recursos. Quando falo de gestão, não estou falando somente de custo e efetividade, ou de fazer mais com o que nós temos, de reduzir custos onde tiver que reduzir. Falo também de fortalecer o modelo de atenção focado no usuário e que tenha a atenção básica como pilar. Falo da necessidade de que o processo de gestão garanta transparência para o conjunto da sociedade brasileira. O SUS só vai se consolidar no interior de uma aliança da sociedade brasileira. Isso significa transparência não só nos gastos, mas nas decisões. Tenho certeza de que vamos consolidar as políticas sociais do governo da presidenta Dilma e temos grandes chances de obter, sim, mais recursos na Saúde.

Durante os últimos anos, o governo ficou dividido quanto à questão do financiamento. O senhor visualiza de que fontes pode vir o financiamento da Saúde? Qual sua expectativa em relação a isso?

Para mim, pode vir da lua, de Marte, da Nasa. Esse é um debate que o Congresso tem que fazer. A agenda do desenvolvimento só vai se sustentar se, junto com o crescimento da economia, nós pudermos aumentar os recursos para a Saúde. A fonte é um debate que o Congresso tem que fazer. O debate que eu, como ministro da Saúde tenho que fazer, é qualificar a gestão do SUS para mostrar por que quero mais dinheiro e onde quero aplicá-lo. Esse é um desafio nosso. Só vamos conseguir mais recursos se conseguirmos mostrar que mais recursos serão bem aplicados e reafirmarão um novo modelo de atenção à saúde, e que, com o processo de aplicar os recursos, a gente reconstrói essa aliança com a sociedade. Acho que esse é meu principal esforço como ministro. De onde vem o dinheiro, é o debate que o Congresso tem que fazer.

A maioria do Governo no Congresso facilita essa perspectiva?

Acho que sim, mas também acho que o debate mais importante para a Saúde não é só da base do governo. É também um sentimento dos partidos da oposição.

Um dos temas que têm mobilizado os movimentos sociais no campo da saúde é o que se tem chamado de privatização da saúde. Qual o seu diagnóstico sobre essa discussão?

Não podemos fazer um debate ideologizado sobre isso. Quando fomos construir o SUS, esse debate apareceu: se o SUS tinha que ser só estatal ou se tinha que compreender a participação de várias modalidades de entes não estatais, sejam filantrópicos, hospitais universitários, o próprio setor privado credenciado. O movimento de Reforma Sanitária, naquele momento, compreendeu que o SUS não tinha que ser só estatal. Essa é uma primeira questão. Defendo o SUS como um projeto público, permanentemente público, que esteja voltado para o usuário e tenha controle público permanente. Hoje, a maior parte dos equipamentos de saúde do SUS é não estatal. Isso foi até maior no começo, logo quando se criou o Sistema Único de Saúde. Acredito que qualquer modelo gerencial tem que respeitar o conjunto de diretrizes do SUS. Inclusive em relação aos modelos estatais, porque tem muito modelo estatal que não é público; que não tem nada de controle social; onde os trabalhadores são menos valorizados do que trabalhadores que têm vínculo com fundações ou com organizações que não são necessariamente estatais. Por isso, acho que esse debate não tem que ser ideologizado, nesse sentido de confronto entre o estatal e o não estatal. O debate tem que ser o SUS como projeto público, voltado para o usuário, com controle social permanente, e onde processo de valorização do gestor e dos trabalhadores tem que existir. Para mim, o SUS tem que ser um projeto usuáriocentrado: o centro sempre tem que ser o usuário, sempre o acesso. Não tenho bloqueio ou preconceito contra qualquer modelo gerencial. Desde o início, o SUS convive com organização não governamental, OS, hospital filantrópico, hospital particular credenciado. Para mim, não é esse o debate. Isso fez com que a gente ficasse anos e anos se distanciando do debate central, que é o SUS ser um projeto público, voltado para o usuário e para a ampliação permanente do acesso com qualidade para a população.

Quais são as prioridades para a educação e formação técnica de nível médio dos trabalhadores do SUS?

Tenho dito que estamos construindo no Ministério da Saúde uma obsessão única que é o acesso de qualidade, em tempo adequado, para a necessidade de saúde das pessoas, com a qual todos os secretários e todos os eixos de atuação do ministério têm que dialogar. O centro do debate é: o Brasil tem que construir um planejamento estratégico para daqui a dez, 15, 20 anos, definindo que profissionais quer ter, onde quer que estejam trabalhando e que política de formação quer para garantir isso. Tem tudo a ver com formação.

E em relação ao ensino técnico...

A modalidade do ensino técnico é fundamental, para qualificar um conjunto de trabalhadores que já estão no SUS e exigem qualificação e valorização dessa força de trabalho. A expansão da modalidade de ensino técnico — seja no nível médio ou no nível superior — é fundamental para expandir cada vez mais o acesso aos serviços, numa realidade tão diversa que é o Brasil, com dificuldade de acesso geográfico, de novos serviços e equipamentos de saúde adequados às necessidades. Para expandir o serviço de saúde você tem que aproveitar cada vez mais a população que vive nessas realidades. A oportunidade maior de formação e valorização dos trabalhadores e inclusão dessas populações é através do ensino técnico. Ele é estratégico, mas tem que acompanhar o debate que nós vamos fazer com os profissionais do nível superior.

Como será esse debate?

O Ministério da Saúde vai coordenar um debate sobre comissão de residência médica, juntamente com o MEC. Vamos fazer um grande mapa nacional para comparar a oferta de serviços de saúde que temos e as necessidades de saúde de cada uma das regiões sanitárias do país, cerca de 500, para ter um indicador permanente de avaliação de acesso. Dentro desse mapa, incluímos — e conversamos com o MEC sobre isso — a necessidade de profissionais e força de trabalho para cada uma destas regiões, para que se tenha um projeto estratégico que defina quais os profissionais que o Brasil quer formar (e onde). Isso deve ser guiado pelas necessidades de saúde articuladas pelo SUS, pelo ministério, no nível federal, e não que seja uma determinação exclusiva dos espaços de formação — escolas e instituições de ensino. A demanda tem que vir do setor Saúde.

Como tratar de forma intersetorial os problemas de saúde decorrentes do desenvolvimento e resgatar o conceito e a prática da seguridade social no Brasil?

O conceito e a prática da seguridade social vêm sendo resgatados desde que o presidente Lula colocou as políticas sociais no centro da agenda política do país. Cada governo, em todos os níveis, deveria investir nas políticas sociais, que seriam decisivas para o desenvolvimento do país. Um estudo recente do Ipea demonstra que saúde e educação são as políticas que dão mais retorno para o crescimento do PIB. Todo o esforço que tivemos em criar uma rede de proteção social, com o SUS, a previdência pública, a partir do Bolsa Família, só reforça isso. A discussão sobre como o crescimento econômico e o desenvolvimento do país promovem a Saúde, ao invés de trazer novos impasses, é um desafio do setor da Saúde, mas também de outros setores econômicos. Não penso qualquer agenda de desenvolvimento que não tenha a variável ambiental como algo central. Todos os atores econômicos começam a perceber mais fortemente isso. Temos um exemplo, de quando eu estava no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social — eu era ministro das Relações Institucionais — e coordenei a construção da posição brasileira na COP-15 (Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas), em Copenhague, Dinamarca. Fizemos com que a Confederação Nacional da Indústria (CNI), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) construíssem sua agenda ambiental. O conselho, que reúne da maior liderança empresarial à maior liderança dos trabalhadores, representante indígena e representante da academia, construiu um consenso sobre agenda ambiental. Esta variável ambiental está incorporada aos vários atores econômicos e sociais do país. Lógico que as divergências vão sempre existir, sobre se determinada obra ou projeto de desenvolvimento tem maior ou menor impacto ambiental. O fundamental é que, hoje, sob todas as ações do Governo Federal, nós não pensamos mais em plano de obra; pensamos em projeto de desenvolvimento.

O senhor pode dar um exemplo?

Vou citar um exemplo que é polêmico e, por isso, faço questão de citá-lo: a usina de Belo Monte. Eu acompanhei de muito perto, por conta da minha atividade profissional, toda a expectativa daquela região em relação a existir (ou não) a usina de Belo Monte. Isso vem desde o final dos anos 80. Não tenho dúvida de que a grande oportunidade para aquela região enfrentar gargalos que existiam em relação ao saneamento ambiental, à formação na educação e à expansão dos serviços de atenção à saúde só são possíveis agora por conta do projeto Belo Monte. Combina um projeto de usina hidrelétrica que, numa reavaliação, reduziu e muito os impactos ambientais, com US$ 4 bilhões de investimento em saneamento, reestruturação da rede de saúde e educação. Em várias regiões do país, a oportunidade de enfrentar gargalos históricos do desenvolvimento e oferecer condições mínimas para as pessoas viverem (acesso a água tratada, tratamento de esgoto, saneamento, serviços de saúde e de educação) só é possível quando se faz dentro desses projetos de investimento. Essa é a melhor forma para enfrentar a contradição que sempre existirá entre crescimento econômico, preservação ambiental e promoção da cidadania. O Brasil, hoje, é um dos países que está no contexto do risco mundial de uma epidemia de obesidade. Isso, em parte, decorre da ascensão social, de as pessoas pararem de passar fome, começarem a consumir cada vez mais alimentos. Isso não é necessariamente ruim. A inclusão social é absolutamente positiva para o desenvolvimento do país e vamos conviver com novos riscos e novas contradições, fruto do processo de crescimento. O Ministério da Saúde tem papel decisivo nesse grande plano de combate à miséria que a presidenta Dilma estabeleceu como meta principal.

No seu discurso de posse, o senhor falou da "obsessão" em melhorar a qualidade do SUS, inclusive com a diminuição das filas. Já existe um plano para isso, levando-se em consideração que nem o Canadá conseguiu resolver este problema?

O que eu falei foi exatamente isso. Tenho uma obsessão, que tem que ser projeto único do ministério, que é colocar no centro de qualquer processo de planejamento das decisões políticas de saúde a ampliação do acesso e acolhimento em tempo adequado à necessidade de saúde das pessoas. E reconhecendo que esse é um problema do mundo inteiro, dos nossos sistemas públicos nacionais, como também da saúde suplementar no Brasil. O fato de ser um problema não nos permite deixar de fazer com que isso esteja no centro do nosso planejamento. Quando pensamos em desenvolvimento tecnológico, temos que pensar em promoção do acesso. O investimento tecnológico que a Fiocruz desenvolve tem impacto decisivo no acesso, quando reduz custos, garante oferta de tecnologia, de insumos, de vacinas e medicamentos com que o SUS não teria condições de arcar se tivesse que adquirir do setor privado. Isso nós estamos fazendo com todas as unidades do ministério. Do ponto de vista nacional, da relação com os estados e municípios, a ideia é criar dois mecanismos que serão estruturantes para trazer o tema do acesso para o centro do planejamento entre União, estados e municípios.

Fale sobre esses mecanismos...

Primeiro, queremos ter um instrumento mais sólido na relação dos governos estadual, governo municipal federal. A ideia é criar contratos interfederativos, onde se estabeleçam metas e compromissos muito claros. No centro desse contrato, estarão as estratégias e as opções que estado e município fazem para ampliar o acesso em tempo adequado. Para construir esse contrato, queremos mapear o Brasil em regiões sanitárias — e o próprio pacto de gestão já fez esse primeiro mapeamento. O objetivo é que, para cada realidade regional, você tenha o mapa sanitário, onde se possam comparar as necessidades de saúde e a oferta dos serviços. Outro momento estruturante é criar um indicador nacional de garantia de acesso. Estou conversando com instituições acadêmicas, institutos de pesquisa, municípios que já têm experiências como essa, para que tenhamos um grande indicador nacional, com sua base estadual, sua base regional e sua base municipal. Ele servirá para que a gente conheça uma linha das garantias de acesso que cada região oferece para a população e, a partir dos recursos e dos investimentos estratégicos, se possa avaliar a evolução desse indicador, inclusive premiar quem teve mais capacidade para ampliá-lo.

Uma figura fundamental na atenção básica é o agente comunitário de saúde. A formação desse profissional é feita em três módulos. Em 2008, a Comissão Tripartite decidiu que o Ministério da Saúde só poderia financiar o primeiro módulo. Há interesse em retomar essa discussão?

Há pleno interesse nisso. Vários estudos mostram que a qualificação do agente comunitário de saúde é um dos fatores decisivos para a qualidade do serviço de saúde, sobretudo na atenção básica. Precisamos é definir a estratégia e o aporte financeiro para garantir isso. Não acredito que você possa fazer isso sem fortalecer o ensino a distância e o ensino em serviço. As próprias instituições de formação têm que se reestruturar, estar mais próximas do serviço, pensar uma estratégia de tutoria para dar conta desse desafio. E fazer isso no conjunto da equipe. Um dos grandes erros das estratégias de formação para a atenção básica é pensar os componentes da equipe de forma isolada: cria-se um grande programa de capacitação e formação para agente e não se cria para os demais profissionais, inclusive médicos e enfermeiros; ou não se garante estrutura e condições para que não haja grande rotatividade. Faz-se investimento em formação no profissional que não fica fixo naquela região.

A presidenta Dilma apontou as UPAs como estratégia importante na organização do sistema de Saúde. O senhor destacou a promoção da saúde e a atenção primária. Uma crítica às UPAs é que elas contrariam a organização do sistema a partir da atenção primária. Como articular as duas ideias?

Isso é fundamental na discussão que estou fazendo sobre acesso. Estou convencido — e a presidenta também — de que as UPAs são equipamentos que fazem parte de uma rede que combina a atenção de urgência e emergência com a atenção básica de saúde no Brasil. Só assim elas fazem sentido. Para mim, as UPAs complementam em parte o que nós chamamos de atenção primária em saúde, porque vão funcionar 24 horas, ficam num certo território, onde há outros equipamentos de saúde, e funcionam como observatório da qualidade da atenção básica. Na UPA, você pode perceber se o perfil de atendimento revela ou não a insuficiência de resolutividade da atenção básica. Dependendo do perfil de atendimento, pode ser resolvido na atenção básica, aliviando a pressão das unidades de urgência e emergência. Por isso, é um equipamento fundamental. Nosso compromisso em implantar 500 UPAs no país vai estar permanentemente combinado a uma rede de urgência e emergência, que reúne UPA, Samu e central de regulação e requalificação das unidades de emergência. Estamos mapeando os pronto-socorros de referência no país (não são mais do que 200) para se ter um grande programa de qualificação. Combinado com esse esforço, nosso maior desafio hoje é a garantia de oferta de leitos clínicos de curta e de média duração. Um dos motivos hoje para lotação das urgências e emergência do país é o fato de uma parte dos pacientes que já poderiam ter saído de um serviço de urgência e ir para um leito clínico, não ter oferta desse leito naquela região.

Na gestão passada, houve distanciamento entre ministério e controle social. Este ano, teremos Conferência Nacional de Saúde. Como pretende retomar essa relação e fortalecer o controle social?

Venho de uma experiência muito recente na condução do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Este ano é decisivo para o controle social e para o SUS. Nós não podemos reproduzir na 14ª Conferência Nacional de Saúde o mesmo cenário que encontramos nas últimas conferências. É preciso pensar metodologia: como se vai garantir a participação de milhões? Na 13ª, o relatório final tinha mais de 100 propostas. Cada uma representava um segmento ou um desejo pontual, todos muito legítimos, mas sem uma proposta estruturante para o SUS e usuários do SUS. Sugeri em um debate no Conselho Nacional de Saúde (CNS) que, em vez de a conferência ter três ou quatro eixos, como vinha sendo construída, tenha eixo único. O Conselho concordou com o eixo único, orientador dos demais, que é o acesso com qualidade e tempo adequado para a necessidade das pessoas. Esse é um desafio do SUS e de toda a seguridade social. Outro esforço que precisamos fazer é afirmar o conselho como espaço de construção de uma agenda estratégica. Mesmo que a tarefa do conselho seja acompanhar as decisões da política de saúde, do gestor, ele tem que construir uma agenda estratégica, para poder ter maior papel de controle. Quando exerce o controle só em questões pontuais, perde sua capacidade de influenciar a política mais geral. O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social mostrou essa experiência: teve papel decisivo para o governo Lula na construção da Agenda Nacional de Desenvolvimento. O CNS só consegue influenciar quando constrói um grande consenso sobre temas que envolvem todos os segmentos. A contribuição que quero dar ao conselho é no contexto de que a gente construa uma agenda estratégica para o SUS. Em segundo lugar, quero manter a política de formação e capacitação dos conselhos estaduais e municipais. É nessa prática de valorização e diálogo com o Ministério que a gente também valoriza o espaço de controle social.

Fonte: RADIS COMUNICAÇÃO EM SAÚDE

A Radis é uma publicação da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Leia a revista na íntegra aqui